quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Dicas de Odin #0 (Introdução)

Dicas de Odin

(ou Hávamál - Os dizeres do Altivo)

#0 - Introdução


Ilustração por Lorenz Frølich
"Den Ældre Eddas Gudesange", Gjellerup e Frølich (1895)
Disponível aqui  

Minha primeira série fixa de postagens apresentará minhas traduções, direto do Nórdico Antigo, estrofe por estrofe, de Hávamál, “Os Dizeres do Altivo”. O título “Dicas de Odin” é uma brincadeira com o conteúdo deste que é o segundo poema da Edda Poética, uma vez que nele constam diversos conselhos proferidos pelo deus sobre como os homens devem conduzir suas vidas. Uma excelente introdução à obra está no livro “Hávamál”, editado por David A. H. Evans, da Viking Society for Northern Research (VSNR), disponível de graça no site da entidade (link aqui). Neste livro, além do texto do poema em Nórdico Antigo, estão comentários sobre diversos autores e estudos sobre o mesmo. Farei aqui um breve resumo baseando-me em sua introdução. Está disponível também online o glossário, compilado por Anthony Faulkes (link aqui)


Infelizmente, como a grande maioria da literatura nórdica, este poema não está publicado em livro em português. Eu, pelo menos, nunca consegui encontrar. Acredito que pela internet seja possível encontrar algumas traduções, mas eu prefiro não lê-las inicialmente para que não haja influências no meu próprio trabalho. Depois de terminado, sem dúvida irei consultá-las. Para aqueles que leem inglês, uma excelente edição em livro é a de Carolyne Larrington, que traduziu na íntegra a Edda Poética. Embora, como toda tradução, ela apresente alguns problemas, esta é uma versão com um inglês bem moderno e inteligível.

Tradução de Larrington para a Edda Poética
(Link para a Amazon)


Hávamál é um poema muito peculiar em relação aos demais presentes na Edda Poética. Primeiramente, os estudiosos apresentam certa dificuldade em enquadrá-lo nos dois grandes blocos de poemas édicos: os mitológicos, que tratam de deuses e da cosmogonia e escatologia; e os heroicos que, como o nome sugere, relatam as gestas de heróis. Hávamál é considerado um poema mitológico, mas diferentemente dos demais assim categorizados, ele trata, em grande parte, de conteúdos mundanos, do dia-a-dia dos homens e suas atividades corriqueiras. Embora também contenha histórias mitológicas sobre Odin, na maioria dos casos elas servem para ilustrar conhecimentos a serem transmitidos para que os homens os apliquem a suas vidas. 



No tangente às fontes originais, novamente Hávamál é peculiar. Diferente da maioria dos poemas édicos, que geralmente constam em mais de um manuscrito, ele está presente em apenas um, o Codex Regius, “Códice do Rei”, em Islandês, Kónungsbók (GKS 2365 4to), do século XIII. Esta é a única fonte do texto original que chegou até nós. Ou seja, não há como compará-lo com outras versões, o que normalmente é feito com outros poemas édicos, porque elas simplesmente não existem ou nunca foram encontradas.
Primeira página de Hávamál no Codex Regius
Retirado de: http://www.am.hi.is:8087/VefHandritalisti.aspx



Sobre seu conteúdo, à primeira vista, o poema pode parecer desconexo e sem relação entre várias de suas partes. A métrica é inconstante, seguindo em alguns momentos o ljóðahattr e, em outros, o málaháttr[1]. Algumas transições entre estrofes, e mesmo entre versos, parecem não fazer o menor sentido. As razões para isto são amplamente debatidas por diversos autores. 



É consenso entre eles que este texto ao qual temos acesso pelo Codex Regius não é o original. Ele foi copiado de algum outro livro que não chegou aos dias de hoje. Partindo daí, o poema parece ser a reunião de diversos poemas menores, unificados em bloco sem a preocupação de relacioná-los com muita coerência. Esta é a tese de Schneider, 1977, apontada por Evans (1986). Outro estudioso, Klaus von See, não enxerga no poema esta “colcha de retalhos”, como muitos o consideram, e diz que, de certa forma, ele tem, sim, uma unidade. Esta unidade seria produzida pelo esforço do escritor que reuniu diversos poemas menores ou provérbios orais tentando conectá-los, e, em alguns pontos, até mesmo compondo seus próprios versos e estrofes para fazê-lo.



Uma outra hipótese, esta mais mirabolante e com uma dose grande de confabulações, é a de Ivar Lindquist. Segundo o autor, o poema seria, originalmente, uma composição de caráter iniciático utilizada para introduzir jovens à sabedoria pagã de Odin. No entanto, o trabalho original teria caído nas mãos de um cristão fervoroso e, ao mesmo tempo, amante de antiguidades. Uma vez que ali estavam contidas informações pagãs, seu espírito cristão não o permitia difundi-lo. Por outro lado, ele não desejava destrui-lo por se tratar de uma antiguidade valiosa. Assim, “ele sentiu ser seu trabalho emascular esta perigosa relíquia do paganismo embaralhando-a até que se tornasse irreconhecível.” (Evans, p. 12). Lindquist, assim como alguns outros autores que não citei, chegou a reordenar todo o poema para chegar ao formato que, ele acredita, seria o mais próximo do original antes de ter sido embaralhado.



Há ainda outro ponto de debate entre os estudiosos: o conteúdo do poema é integralmente pagão ou há nele influências cristãs posteriores? Não me delongarei aqui nesta questão, mas para aqueles que tenham um interesse nela, indico novamente a introdução do livro de Evans. Resumidamente, alguns autores acreditam que o conteúdo é todo pagão, sem influência do cristianismo, enquanto outros citam semelhanças das histórias narradas com passagens bíblicas para demonstrar uma suposta influência cristã sobre o conteúdo pagão.



Para concluir, apresento aqui uma divisão apontada por Evans que secciona o conteúdo do poema em subgrupos. Levando em conta a ideia de que Hávamál é a união de vários poemas menores, ele é artificialmente dividido em algumas partes para se tentar localizar estes pequenos poemas. A fronteira entre elas é imprecisa, e em muitas situações é difícil de ser delimitada. Os agrupamentos são apenas um esforço de organização artificial. Eis a lista:



I – Versos Gnômicos (referentes à sabedoria): primeiras 79 estrofes, aproximadamente.
II – Aventura de Odin com a esposa de Billing, de 95 (ou antes?) até 102
III – Aventura de Odin com Gunnlod, de 104 (ou 103?) até 110.

IV – Os dizeres de Loddfáfnir: 111 (ou 112) até 137
V – Lista das runas: 138-145
VI – Lista de magias: 146-163



Sobre as postagens

Em cada post desta série, pretendo apresentar:
-O texto original do manuscrito, retirado do site http://www.am.hi.is:8087/VefHandritalisti.aspx.
-Minha própria reconstrução do texto do manuscrito. Como referência e guia, utilizarei tanto a edição de Neckel e Kuhn (1983) quanto a de Evans (1986). Quanto à versificação, mantive-me próximo à de Neckel e Kuhn.
-Minha própria tradução em Português



Gostaria que ficasse claro ao leitor que eu não estou simplesmente mostrando minha tradução. Minha intenção aqui é fazer algo como um "making of", um "behind the scenes", mostrar os bastidores do processo de tradução, que por ser bem minucioso, é também demorado. Infelizmente, não consigo traduzir com tanta frequência por conta de outras obrigações, de modo que minha produção é bem mais lenta do que eu gostaria que fosse. Por isso, não estabelecerei uma periodicidade fixa para as postagens, mas, na medida do possível, tentarei fazê-lo diariamente, pelo menos durante este mês.


Sobre as fontes 

Tanto as edições com o Nórdico Antigo de Neckel & Kuhn quanto Evans buscam transformar o que está no manuscrito original em um texto normatizado. Isto quer dizer que estes autores tentam aproximar o texto do manuscrito com o que se ensina nos livros de Nórdico. Como se sabe (v. "O que é Nórdico Antigo"), a língua variava bastante de lugar para lugar e de época para época, gerando diversas pequenas variações. Os gramáticos esforçaram-se para criar um modelo uniforme, tentando transformar toda esta multiplicidade de variações em uma coisa só. Assim foi cunhado o Nórdico Antigo que se ensina nos livros e gramáticas. No entanto, ele é artificial e não corresponde fielmente ao que era utilizado pelos povos da Escandinávia Viking e Medieval, e nem ao que está na maioria dos manuscritos.
O texto de Neckel & Kuhn, embora seja modificado, é mais próximo ao oroginal do que o de Evans, que é o mais normatizado possível.

Sobre minha tradução

Minha intenção é manter-me o mais fiel possível à ordem e à gramática do Nórdico Antigo. No entanto, quando isto dificulta a leitura ou a torna demasiadamente artificial, opto pela fluidez e inteligibilidade do Português. Quando pertinente, adicionarei notas ao texto para explicar determinadas opções.

Bibliografia

EVANS, David A. H.. Hávamál. Viking Society for Northern Research. London: University College London (1986). 
Disponível em: http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Text%20Series/Havamal.pdf


GJELLERUP, Karl e FRØLICH, Lorenz. Den Ældre Eddas Gudesange. Kjøbenhavn: P. G. Philipsens Forlag (1895)
Disponível em: http://archive.org/stream/denldreeddasgud00saemgoog#page/n0/mode/2up

GORDON, E. V. e TAYLOR, A. R.. An Introduction to Old Norse. Oxford: Oxford University Press (1956)

LARRINGTON, Carolyne. The Poetic Edda. New York: Oxford University Press (1996)


NECKEL, Gustav e KUHN, Hans. Edda: die Lieder des Codex Regius (Band I, text). Heidelberg: Winter (1983)
WOLF, Kirsten. Daily Life of the Vikings. Connecticut – London: Greenwood press (2004)

Dicionários e Glossários utilizados em minha tradução:

FAULKES, Anthony. Hávamál - Glossary and IndexViking Society for Northern Research. London: University College London (1987) 
Disponível em: 
http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Text%20Series/Glossary%20and%20Index.pdf

LA FARGE, Beatrice e TUCKER, John. Glossary to the Poetic Edda. Heidelberg: Carl Winter Universitätsverlag (1992)

ZOËGA, Geir T.. A concise dictionary of Old Icelandic. New York: Dover (2004 [1910])


[1] para uma explicação sobre a métrica da poesia nórdica, v. Gordon, 1956, pp. 316 e 317.

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