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Tradução de Larrington para a Edda Poética
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Hávamál é um poema muito peculiar em relação aos demais presentes na Edda Poética. Primeiramente, os estudiosos apresentam certa dificuldade em enquadrá-lo nos dois grandes blocos de poemas édicos: os mitológicos, que tratam de deuses e da cosmogonia e escatologia; e os heroicos que, como o nome sugere, relatam as gestas de heróis. Hávamál é considerado um poema mitológico, mas diferentemente dos demais assim categorizados, ele trata, em grande parte, de conteúdos mundanos, do dia-a-dia dos homens e suas atividades corriqueiras. Embora também contenha histórias mitológicas sobre Odin, na maioria dos casos elas servem para ilustrar conhecimentos a serem transmitidos para que os homens os apliquem a suas vidas.
No tangente às fontes originais, novamente Hávamál é peculiar. Diferente da maioria dos poemas édicos, que geralmente constam em mais de um manuscrito, ele está presente em apenas um, o Codex Regius, “Códice do Rei”, em Islandês, Kónungsbók (GKS 2365 4to), do século XIII. Esta é a única fonte do texto original que chegou até nós. Ou seja, não há como compará-lo com outras versões, o que normalmente é feito com outros poemas édicos, porque elas simplesmente não existem ou nunca foram encontradas.
Sobre seu conteúdo, à primeira vista, o poema pode parecer desconexo e sem relação entre várias de suas partes. A métrica é inconstante, seguindo em alguns momentos o ljóðahattr e, em outros, o málaháttr[1]. Algumas transições entre estrofes, e mesmo entre versos, parecem não fazer o menor sentido. As razões para isto são amplamente debatidas por diversos autores.
É consenso entre eles que este texto ao qual temos acesso pelo Codex Regius não é o original. Ele foi copiado de algum outro livro que não chegou aos dias de hoje. Partindo daí, o poema parece ser a reunião de diversos poemas menores, unificados em bloco sem a preocupação de relacioná-los com muita coerência. Esta é a tese de Schneider, 1977, apontada por Evans (1986). Outro estudioso, Klaus von See, não enxerga no poema esta “colcha de retalhos”, como muitos o consideram, e diz que, de certa forma, ele tem, sim, uma unidade. Esta unidade seria produzida pelo esforço do escritor que reuniu diversos poemas menores ou provérbios orais tentando conectá-los, e, em alguns pontos, até mesmo compondo seus próprios versos e estrofes para fazê-lo.
Uma outra hipótese, esta mais mirabolante e com uma dose grande de confabulações, é a de Ivar Lindquist. Segundo o autor, o poema seria, originalmente, uma composição de caráter iniciático utilizada para introduzir jovens à sabedoria pagã de Odin. No entanto, o trabalho original teria caído nas mãos de um cristão fervoroso e, ao mesmo tempo, amante de antiguidades. Uma vez que ali estavam contidas informações pagãs, seu espírito cristão não o permitia difundi-lo. Por outro lado, ele não desejava destrui-lo por se tratar de uma antiguidade valiosa. Assim, “ele sentiu ser seu trabalho emascular esta perigosa relíquia do paganismo embaralhando-a até que se tornasse irreconhecível.” (Evans, p. 12). Lindquist, assim como alguns outros autores que não citei, chegou a reordenar todo o poema para chegar ao formato que, ele acredita, seria o mais próximo do original antes de ter sido embaralhado.
Há ainda outro ponto de debate entre os estudiosos: o conteúdo do poema é integralmente pagão ou há nele influências cristãs posteriores? Não me delongarei aqui nesta questão, mas para aqueles que tenham um interesse nela, indico novamente a introdução do livro de Evans. Resumidamente, alguns autores acreditam que o conteúdo é todo pagão, sem influência do cristianismo, enquanto outros citam semelhanças das histórias narradas com passagens bíblicas para demonstrar uma suposta influência cristã sobre o conteúdo pagão.
Para concluir, apresento aqui uma divisão apontada por Evans que secciona o conteúdo do poema em subgrupos. Levando em conta a ideia de que Hávamál é a união de vários poemas menores, ele é artificialmente dividido em algumas partes para se tentar localizar estes pequenos poemas. A fronteira entre elas é imprecisa, e em muitas situações é difícil de ser delimitada. Os agrupamentos são apenas um esforço de organização artificial. Eis a lista:
I – Versos Gnômicos (referentes à sabedoria): primeiras 79 estrofes, aproximadamente.
II – Aventura de Odin com a esposa de Billing, de 95 (ou antes?) até 102
III – Aventura de Odin com Gunnlod, de 104 (ou 103?) até 110.
IV – Os dizeres de Loddfáfnir: 111 (ou 112) até 137
V – Lista das runas: 138-145
VI – Lista de magias: 146-163
Sobre as postagens
-Minha própria reconstrução do texto do manuscrito. Como referência e guia, utilizarei tanto a edição de Neckel e Kuhn (1983) quanto a de Evans (1986). Quanto à versificação, mantive-me próximo à de Neckel e Kuhn.
-Minha própria tradução em Português
Gostaria que ficasse claro ao leitor que eu não estou simplesmente mostrando minha tradução. Minha intenção aqui é fazer algo como um "making of", um "behind the scenes", mostrar os bastidores do processo de tradução, que por ser bem minucioso, é também demorado. Infelizmente, não consigo traduzir com tanta frequência por conta de outras obrigações, de modo que minha produção é bem mais lenta do que eu gostaria que fosse. Por isso, não estabelecerei uma periodicidade fixa para as postagens, mas, na medida do possível, tentarei fazê-lo diariamente, pelo menos durante este mês.
Sobre as fontes
Tanto as edições com o Nórdico Antigo de Neckel & Kuhn quanto Evans buscam transformar o que está no manuscrito original em um texto normatizado. Isto quer dizer que estes autores tentam aproximar o texto do manuscrito com o que se ensina nos livros de Nórdico. Como se sabe (v. "O que é Nórdico Antigo"), a língua variava bastante de lugar para lugar e de época para época, gerando diversas pequenas variações. Os gramáticos esforçaram-se para criar um modelo uniforme, tentando transformar toda esta multiplicidade de variações em uma coisa só. Assim foi cunhado o Nórdico Antigo que se ensina nos livros e gramáticas. No entanto, ele é artificial e não corresponde fielmente ao que era utilizado pelos povos da Escandinávia Viking e Medieval, e nem ao que está na maioria dos manuscritos.
O texto de Neckel & Kuhn, embora seja modificado, é mais próximo ao oroginal do que o de Evans, que é o mais normatizado possível.
Sobre minha tradução
Minha intenção é manter-me o mais fiel possível à ordem e à gramática do Nórdico Antigo. No entanto, quando isto dificulta a leitura ou a torna demasiadamente artificial, opto pela fluidez e inteligibilidade do Português. Quando pertinente, adicionarei notas ao texto para explicar determinadas opções.
Bibliografia
EVANS, David A. H.. Hávamál. Viking Society for Northern Research. London: University College London (1986).
Disponível em: http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Text%20Series/Havamal.pdf
GJELLERUP, Karl e FRØLICH, Lorenz. Den Ældre Eddas Gudesange. Kjøbenhavn: P. G. Philipsens Forlag (1895)
Disponível em: http://archive.org/stream/denldreeddasgud00saemgoog#page/n0/mode/2up
GORDON, E. V. e TAYLOR, A. R.. An Introduction to Old Norse. Oxford: Oxford University Press (1956)
LARRINGTON, Carolyne. The Poetic Edda. New York: Oxford University Press (1996)
NECKEL, Gustav e KUHN, Hans. Edda: die Lieder des Codex Regius (Band I, text). Heidelberg: Winter (1983)
WOLF, Kirsten. Daily Life of the Vikings. Connecticut – London: Greenwood press (2004)
Dicionários e Glossários utilizados em minha tradução:
FAULKES, Anthony. Hávamál - Glossary and Index. Viking Society for Northern Research. London: University College London (1987)
Disponível em: